terça-feira, 21 de junho de 2011

A FORMAÇÃO DO CÃNON DO NOVO TESTAMENTO - PARTE 1


A Bíblia não é um livro caído do céu, um código sagrado ou uma declaração doutrinal de fé. É a suma das experiências e dos encontros, que as pessoas tanto no Antigo Testamento como no Novo Testamento tiveram com Deus. O fato de que essas experiências tenham sido ordenadas, reformadas e algumas delas rejeitadas não levam a ser ignoradas.
Mas seja qual for à história das escrituras ou a formação do Cânon, a essência da Bíblia é o testemunho de experiências e encontros. Esses encontros e seus relatos são expressões que aconteceram enquanto história, em determinadas geografias, e traduzem vivências culturais definidas. Mas não são diretamente acessíveis à nossa própria experiência, por correspondência formal.
No tocante a isso, temos como objetivo discorrer neste texto um pouco da história de formação do Cânon neo-testamentário, sabendo inicialmente que a literatura contemporânea do Novo Testamento foi algo muito vasto. Porém sintetizada pelo Cânon do Novo Testamento.
O Novo Testamento não somente foi à regra de fé dos cristãos, não somente inspirou e ainda inspira vidas heróicas, célebres ou desconhecidas, como também determinou civilizações inteiras em sua ética individual e social por meio da sua literatura e de sua arte.
Sem contar o fato de que o Novo Testamento é a confirmação de uma nova aliança de Jahwe com o povo, fazendo de certa forma uma reprodução da antiga aliança, ou seja, do Antigo Testamento. E uma prova disso é o próprio movimento de Jesus o qual se repete todos os acontecimentos dos movimentos antiquotestamentários principalmente os proféticos.
Com isso entendermos que o Novo Testamento nos traz a principal revelação de uma grande conquista de Jahwe que foi trazer de volta o relacionamento do criador com a criatura o qual foi quebrado lá no Éden e tudo isso, claro através da graça que só o Novo Testamento revela.
Ao falar do Cânon do Novo Testamento, encontramos um texto não tão claro, sem nos darmos conta da diversidade e complexidade dos documentos que o formam e das dificuldades vencidas, mas é falar também do desafio de que não temos documentos originais e um espaço de 300 anos separando a redação original da conservada e, portanto isso poderia fazer-nos duvidar da sua autenticidade.
Segundo Oscar Cullman as condições de transmissão do texto não são desfavoráveis e não poderiam justificar um ceticismo por parte dos historiadores, porém é a avaliação da distância que separa a redação dos escritos do Novo Testamento dos acontecimentos que eles testemunham (p.7)
Alguns problemas devem ser levantados: Uma questão relevante é a questão hermenêutica, a questão da critica, (seja ela qual for) e a visão de conjunto, a fim de que nenhuma critica seja de forma exclusiva de interpretação. Diante disso, como se dá o entendimento da inspiração, inerrãncia e revelação? Já que alguns sustentam como piedosa, crença teológica sem nenhum valor, descartada completamente, somente com uma inerrãncia teológica limitada, sua revelação ocupando uma posição singular de Deus aos seres humanos que afeta sua vida e destino.
Como se dá o entendimento dos evangelhos já que há quatro evangelhos e sua pluralidade cria por sua vez um problema de ordem teológica e literária, formando o problema sinótico, (Mateus, Marcos, Lucas)? Como explicar seu parentesco e as divergências entre eles?
Para Brown em uma conclusão realista seria que nenhuma solução para o problema sinótico resolve todas as dificuldades. Autores modernos, cujos livros exigem pesquisa e que tentam a varias décadas a tarefa de reconstruir precisamente como eles juntaram suas fontes ao escrever aqueles livros, serão condescendentes com a nossa inabilidade em reconstruir precisamente o modo segundo o qual os evangelistas procederam 1900 anos atrás. O processo foi provavelmente mais complexo do que a mais complicada reconstrução moderna (2004, pg.191)
Considerando que a formação Canônica foi fruto de um processo de séculos e o fator decisivo foi à idéia do Cânon sentida na sua necessidade da então igreja, submetendo á tradição apostólica que exposta teria, valor canônico, mas em que consiste esta linha teológica que por sua vez une estas obras e nos autoriza a falar de um pensamento do Novo Testamento.
Os livros e escritos cristãos deveriam ser escassos e raros, e a memória dos crentes era submetida a um esforço fora do comum. É neste contexto cultural de escassez de material literário que procuramos levantar uma discussão em torno da composição do cânon do Novo Testamento, com o desafio de imaginar a origem de uma literatura cristã visando à consideração do processo de seleção que produziu os escritos canônicos.
Por serem abertos, os escritos se permitem e submetem a serem vistos e analisados sob diversos olhares; olhar cristão, o acadêmico e principalmente o olhar teológico. Por tanto, cerca de 300 anos separam a redação original dos textos conservados. Isso passa a ser um problema por que dá margem às dúvidas quanto à autenticidade dos textos. Então, se o que temos em mãos é apenas cópias de cópias, logo somos impelidos a pensar na possibilidade de deformações, distorções e, por que não dizer; erros redacionais que diferenciam os textos antigos dos textos que temos acesso.
São muitos os autores que tentam delimitar a palavra cânon, chegando quase sempre ao mesmo denominador: é de origem grega e seu significado mais comum é (cana ou régua), que, por sua vez, se origina do hebraico kaneh, que aparece no Antigo Testamento significando “vara ou cana de medir”. O termo cânon era empregado no Novo Testamento objetivando fazer referência a um padrão ou regra de conduta para aquelas comunidades que fariam uso destas escrituras. Seguindo esta regra, tudo o mais dentro das comunidades seriam julgados, isso de acordo com o conceito de um sentido ativo do termo cânon e sua validade social dentro das tais comunidades para as quais seria destinado.
A formação do Novo Testamento, diferentemente do que muitas pessoas pensam que envolve o surgimento e a preservação de livros compostos pelos seguidores de Jesus, foi algo sistemático e complexo. É notório que o caráter apostólico exerceu grande influência sobre a escolha dos textos canônicos. Helmut Koester, em seu livro “Introdução ao Novo Testamento” escreve que nos séculos II e III, alguns nomes de apóstolos ou de discípulos de Jesus foram amplamente empregados para dar autoridade e legitimidade a diversos escritos como a formação do conceito de apostolicidade, que se tornou fundamental para o cânon do Novo Testamento, aconteceu nas controvérsias constantes com as seitas gnósticas, pode-se presumir que foi exatamente o apelo gnóstico à autoridade apostólica que introduziu os Padres da Igreja a enfatizarem por sua vez a apostolicidade teve papel muito secundário na inclusão dos escritos no cânon do Novo Testamento.
Cada época e cada igreja são tentadas a fazer uma escolha e a considerar como essencial àquilo que corresponde às suas próprias necessidades, portanto, muitos livros não são preservados em sua forma original, daí então a concepção de que temos apenas cópias de cópias. O processo de seleção dos livros canônicos não foi uma escolha individual, mas, um reconhecimento feito coletivamente pela igreja. Vale lembrar que mesmo antes destes, serem aceitos no cânon, alguns livros já eram usados nas assembléias dos cultos.
Antes do último apóstolo, ou seja, a última testemunha ocular morrer, já havia alguns escritos acerca de Jesus e até mesmo um evangelho inteiro; o evangelho de Marcos. Muitas tradições já existiam sob a forma oral ou escrita, isso nos leva a pensar que Marcos teria usado os escritos já existentes para a formação de seu Evangelho.
A formação do cânon exigiu uma série de cuidados. E vários critérios foram empregados na escolha dos escritos. Como por exemplo: apostolicidade, circulação, uso e outros. O resultado final deste trabalho foi o fruto de um processo que se estendeu por vários séculos.
Diante desses fatos que foram descritos até agora, o leitor pode estar se perguntando, será que há confiabilidade nos escritos neo-testamentários depois de conhecermos as principais rotas da sua formação literária com todos os pormenores? Portanto, é necessário que haja neste conteúdo, é claro, algo que responda os questionamentos surgido no decorrer dessa leitura. Por isso, iniciaremos falando da confirmação da compilação oficial dos livros canônicos que evidência-se de várias maneiras. Logo após a era dos apóstolos, ver-se nos escritos dos primeiros pais da Igreja o reconhecimento da inspiração de todos os 27 livros do Novo Testamento.
Em apoio ao testemunho dos apóstolos temos as antigas versões, as listas canônicas e os pronunciamentos dos concílios eclesiásticos. Todos juntos constituem elo de reconhecimento desde a concepção do Cânon nos dias dos apóstolos, até a confirmação irrevogável da Igreja Universal, em fins do século IV. Não deixando de falar do testemunho dos Pais da Igreja sobre o Cânon. Por parte deles os livros do Novo Testamento sempre foram citados como dotados de autoridade, por sinal, dentro de 200 anos depois de século I quase todos os versículos do Novo Testamento haviam sido citados em um ou mais das mais de 36 mil citações dos Pais da Igreja.
Outros fatores que são importantes na fundamentação dos escritos neo-testamentários são as listas primitivas e as traduções do Cânon. A harmonia geral entre esses elementos e o nosso Cânon é extraordinária e de grande importância, lembrando que é desnecessário entrar nos detalhes principalmente das traduções. Porém, lembrando mais uma vez os nomes das mesmas, antiga Siríaca, antiga Latina, Cânon Muratório, Codice Borococio, Eusébio de Cesaréia, Atanásio de Alexandria etc.
Ainda explorando o contexto documentário na perspectiva de fundamentação dos escritos neotestamentários, encontramos informações sobre os papiros extra-bíblicos, os Óstracos, as inscrições e os lecionários. Os Papiros extra-bíblicos são suplementares e trazem mais esclarecimento ao texto do Novo Testamento e fazem parte de um grupo de livros não-canônico denominado “Logia de Jesus” que significa “dizeres de Jesus”.
Os Óstracos são cacos de cerâmicas freqüentemente utilizadas como material de escrita entre as classes mais pobres de Antigüidade e eram conhecidos como a “Bíblia dos Pobres”.
As inscrições: a larga distribuição e a grande variedade de inscrições antigas não só atestam a existência dos textos bíblicos na época, mais também a importância deles. Há abundantes gravações em paredes, pilares, moedas, monumentos e outros lugares que têm sido preservados como testemunhas do texto do Novo Testamento
Os Lecionários são outros testemunhos super valorizados dos textos do Novo Testamento porque eram livros usados no culto da Igreja que continham textos selecionados para as leituras tirados da própria Bíblia sabendo que são bem posteriores aos escritos bíblicos.
Diante desses detalhes mencionados sobre a fundamentação ou veracidade do conteúdo neo-testamentário, fecharemos esse assunto falando de um aspecto que é fundamental para a idéia em questão. A inspiração foi o ponto de partida para a escolha dos escritos que formaram o Cânon Sagrado, é claro, diante de outros pré-requisitos como, por exemplo, a questão apostólica. Os apóstolos e profetas do Novo Testamento não hesitaram em classificar seus escritos como inspirados, ao lado do Antigo Testamento. Seus livros eram respeitados, colecionados e circulavam na Igreja Primitiva como Escritura Sagrada, o que Jesus declarou ser inspiração a respeito do Antigo Testamento o Senhor prometeu quanto ao Novo Testamento.
Jesus nunca escreveu um livro, no entanto endossou autoridade do Antigo Testamento e a promessa de inspiração para o Novo Testamento. No próprio texto dos livros do Novo Testamento, há inúmeros indícios de sua autoridade divina. São eles explícitos e implícitos. Como, por exemplo, os evangelhos que apresentam-se como registros autorizados do cumprimento das profecias do Antigo Testamento a respeito de Cristo. Isso não é presenciado só nos evangelhos, mas em todo restante dos escritos, principalmente no “Corpus Paulinum”. Portanto, a maior riqueza do Cânon neo-testamentário é o fato de que tudo aquilo que são pontos de dúvidas e questionamentos sobre ele, ao mesmo tempo serve de base para sua aprovação e comprovação.





BIBLIGRAFIA:
GEISLER, Norman: Introdução Bíblica,
NIX, William. Introdução Bíblica, 1997 Editora Vida. SP
BROWN, Raymond E. Introdução ao Novo Testamento; Editora Paulinas; 2004, SP
MOULE, Charles Francis Digby. As Origens do Novo Testamento; Editora Paulinas; 1979, SP
CULLMANN, Oscar. A Formação do Novo Testamento; Editora Sinodal; 2001; São Leopoldo
KOESTER, Helmut. Introdução ao Novo Testamento; Vol. I; Editora Paulus; 2005; SP
KUMMEL, Werner Georg. Introdução ao Novo Testamento.